sábado, julho 03, 2004

O texto abaixo é de autoria do Juan Saavedra, jornalista e rubro-negro que está por trás do sucesso do site Flamengo NET, premiado diversas vezes com o troféu Ibest, e do blog de mesmo nome. É longo, mas vale a pena, principalmente pelas considerações semelhantes a algumas feitas aqui no Idiotas. A discussão está (re)aberta. Com a palavra, Juan:

Know-how da mediocridade
Perder um título em casa sempre gera um monte de simplificações. Ainda mais nas circunstâncias de quarta-feira. Uma das que mais me irritam é a que preconiza uma "nova ordem" no futebol. Como se as zebras não fossem capazes, vez ou outra, de driblar leões. Quem vê o Discovery Channel sabe que, mesmo com toda sua descomunal força, um Pantera Leo trabalha em equipe, de forma organizada e planejada, para compensar sua pouca velocidade. Emfim, é uma estratégia, ainda que instintiva. Mesmo assim, nem sempre as tentativas dão certo. Às vezes dá zebra.

Outro lugar-comum que me irrita profundamente é a generalização anti-Rio. Como se o fato do Flamengo chegar duas vezes consecutivas á final da Copa do Brasil, mesmo com equipes de notórias limitações, não fosse a expressão de um mérito não visto em outros clubes poupados pelos oportunistas de plantão. O Flamengo está mal, mas será que só o Flamengo?

Há quanto tempo o Internacional não monta um grande time?

O que conseguiu um São Paulo nos últimos tempos?

Mesmo com ótima estrutura, mesmo com bons jogadores, mesmo com o dinheiro da venda de Kaká, mesmo contratando o treinador-revelação-de-2003, o tricolor paulista só tem ficado no quase. Abriu as pernas para o Santos no Brasileiro de 2002, foi eliminado pelo Goiás na Copa do Brasil 2003, não conseguiu em momento algum credeciar-se para disputar o título do Brasileiro passado, perdeu na bola e no braço para o River Plate na Sul-Americana, viu o São Caetano levantar a taça no Paulistão e dançou a salsa em Manizales.

Pois bem, o poderoso São Paulo também está na fila. Desde 1993 que não ganha absolutamente nada importante, embora tenha um ótimo CT. Tem levado ferro na maioria dos campeonatos paulistas, perdeu para o Mengão de Gamarra e Pet na Copa dos Campeões e nem se aproximou de uma final da Mercosul.

Um indício, apenas um indício, de que mesmo o São Paulo - assim como Corinthians e Palmeira - também tem seus problemas, oscila entre o bem e o mal. O problema, portanto, não é o Rio e as conhecidas mazelas de seus clubes.

O blogueiro Alexandre Lalas disse certa vez - e eu concord - que o futebol jogado no Brasil é a Série C. Nossos melhores talentos estão na Europa Ocidental e a Série B divide-se entre Arábias, Japão-Coréia e o Leste europeu.

O que sobra aqui, com as exceções de praxe, é a rabutalha. Lógico que sempre aparecem novos talentos que rapidamente saem para o exterior - caso de Wagner Love, de quem nada se sabia há pouco mais de um ano.

Em tal cenário quem se dá bem?

Aqueles que ainda têm dinheiro (Cruzeiro), quem revela uma boa safra (Santos) ou o São Caetano, ícone do que chamo de "know-how da mediocridade".

Sim, isso mesmo. Enquanto revelou bons jogadores, o Flamengo comprava um ou outro atleta para suprir uma lacuna, mas geralmente nomes de qualidade. A carência é no gol? Então traga-se Ubaldo Fillol. Falta um zagueiro de responsa? Gottardo, quer vir para a Gávea?

Depois veio a Era Kleber Leite, com suas centenas de contratações: grandes nomes que formavam um balaio de egos. Hoje, sem dinheiro, sem grandes valores surgidos nos juniores, o que nos resta? Procurar atletas desconhecidos a baixo custo. Os Negreiros da vida. A mediocridade, no seu sentido correto: de coisa mediana. Só que o Flamengo não tem essa cultura, ao contrário dos Criciúmas, Figueirenses e Santo Andrés da vida. Não só na hora de contratar. Mas o saber fazer na hora de lidar com os jogadores, de fazer com que se contentem com pouco e ainda se sintam motivados. Sergio Manoel é o destaque do Figueirense. Alguém acha que ele aceitaria ganhar o mesmo caso viesse a jogar na Gávea? Renderia o mesmo?

Vejam o Atlético-PR em 2001. Montou uma boa equipe, com ótimo rendimento, com atletas que foram refugos em outras paragens: Ilan (não aproveitado pelo São Paulo), Alex Mineiro (pelo Cruzeiro), Souza (meia descartado pelo Corinthians), Nem (zagueiro ejetado pelo São Paulo), combinado a alguns jogadores comprados no interior paulista. Foi uma equipe que jogou muito sob o comando de um treinador tampouco brilhante (Geninho), mas que soube extrair o máximo de jogadores não mais do que medianos, salvo uma exceção (Kleberson).

Pode ser mais uma simplificação. Só estou convicto que não pode ser encarado como algo normal ver o Figueirense na ponta do Campeonato Brasileiro.

Ou se mexe na "coisa toda", como teria dito o presidente da República num encontro com Ricardo Teixeira, isto é, ou se pensa num pacote de medidas que revitalizem os grandes clubes do Brasil, todos eles marcas poderosas e que poderiam perfeitamente serem rentáveis para o país (em forma de impostos) ou os clubes grandes levarão, como já estão levando, alguns anos para fazer o cursinho de como "pensar pequeno e ter sucesso". Enquanto isso, veremos campeonatos de qualidade técnica deplorável e nossos melhores jogadores migrando para o Azerbaijão e para a Moldávia (ou mesmo para a combalida Argentina, cujo Boca Juniors levou o ex-Paysandu Iarley.

Nesse cenário, não surpreende que a temporada seja mesmo dos campeões do know-how da mediocridade.

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