Não sei se todos assinam a Veja. Na edição desta semana há um artigo do colunista Roberto Pompeu de Toledo que é muito interessante. Ele aborda a escolha feita pelo Alex ao trocar o Cruzeiro pelo futebol da Turquia.
Para aqueles que não têm a revista, segue o artigo, abaixo. Gabriel: este cara é parente do Cícero Pompeu de Toledo, ou é mera coincidência de nomes?
Igor
O trato dos artistas da chuteira
Tornado um centro voltado todo paraa exportação,o futebol brasileiro vivesituação humilhante
Alex foi considerado o melhor jogador do Campeonato Brasileiro do ano passado. Fez jogadas bonitas, deu passes que os locutores costumam chamar de açucarados aos companheiros, marcou ele próprio muitos gols. Foi o maestro que conduziu seu time, o Cruzeiro, à conquista do título e, graças a isso, mereceu seguidas convocações para a seleção brasileira. Ultimamente, Alex anda sumido. Foi jogar na Turquia. Ainda se fosse para a Espanha ou a Itália, as duas mecas douradas do futebol... Não: Turquia. Ainda se fosse um jogador mediano, desses que engrossam o populoso baixo clero do futebol... Não: era Alex, jogador de seleção. E foi jogar na Turquia.
Que tem a Turquia que o Brasil não tem? Tem mais problemas nas fronteiras, isso seguramente. Com uma ponta, a que se afunda Ásia adentro, ela encosta no Iraque. Está portanto quase no centro do furacão. Se considerarmos que o país abriga uma irredenta minoria curda, povo sem Estado, como os palestinos, que há muito namora com a possibilidade de reunir-se com os curdos do Iraque, então a Turquia já nem está perto: está no centro mesmo do furacão. Pela outra ponta, ela encosta na Europa. Ou melhor, faz parte da Europa, uma vez que um seu pedaço, ao pular os estreitos de Bósforo e Dardanelos, se instala no continente europeu. Mas instala-se mal. A Turquia é vista por quem se considera membro pleno da Europa como um corpo estranho. Há anos ela pleiteia o ingresso na União Européia, e há anos é mantida na geladeira. Um país de maioria muçulmana requerendo a identidade européia, onde já se viu? Uma população de raízes fincadas na barbárie asiática querendo freqüentar o clube... Não.
Do lado social e econômico, a Turquia perde para o Brasil. Seu PIB é de 200 bilhões de dólares, contra 500 bilhões de dólares do Brasil. Em matéria de índice de desenvolvimento humano, que combina indicadores econômicos e sociais, o Brasil ocupa o 72º lugar, entre os 177 que figuram na lista deste ano da ONU, e a Turquia o 88º. A Turquia também não tem Carnaval, nem feijoada, nem Maracanã – e não só Alex, mas uma multidão de outros profissionais do mesmo ramo preferem a Turquia. Ou, quando não é a Turquia, é a Ucrânia, e quando não é a Ucrânia é a Rússia – listada num deprimente 105º lugar, contra um bom 39º para o Brasil, num ranking da revista The Economist que classificou os países pela qualidade de vida.
Num artigo sobre Maradona, o escritor inglês Martin Amis escreveu que os times sul-americanos de futebol funcionam como "campos de treinamento e recrutamento para os clubes da Europa". A sentença é dura e real. É a isso que estão reduzidos os gloriosos Corinthians, Flamengo, Atlético Mineiro ou Internacional. O que ocorre no universo do futebol é uma regressão a padrões colonialistas do tipo mais cruel, aqueles em que a dominação do forte sobre o fraco se confunde com o "trato dos viventes", como o historiador Luiz Felipe de Alencastro gentilmente chamou o tráfico de escravos, no título de seu precioso livro sobre o assunto. De permeio fica um forte cheiro de negócios escusos. E o futebol sul-americano, em especial o brasileiro, o maior exportador mundial, é relegado a uma situação humilhante. Sim, humilhante – será que ninguém percebeu ainda?
Os clubes brasileiros tratam seus estoques de craques (a linguagem de mercadoria se justifica) como bezerros para a engorda. Permanecem até ficar no ponto. Às vezes o ponto chega cedo. Diego, do Santos, despontou aos 17 anos e aos 19 já tinha ido embora. A produção de artistas da chuteira para exportação é tão abundante e contínua quanto a de artigos piratas do Paraguai para as bancadas dos camelôs e muito menos regulamentada do que a de geladeiras das fábricas brasileiras para a Argentina. Mas não são só os clubes que impulsionam as vendas. Os próprios jogadores mal vestem a primeira camisa de titular e já ardem de ansiedade para ser exportados. A cultura que se criou é essa. Bom é sair, e quanto antes melhor. Nem que seja para gelar na Sibéria ou pegar fogo nas areias das Arábias. Quem fica morre com o mico na mão. O resultado é que os clubes não conseguem manter seus elencos por mais que alguns meses. O Cruzeiro perdeu Alex e muitos outros e, de campeão no ano passado, caiu para o medíocre pelotão intermediário, neste ano. No próprio decorrer do campeonato clubes vão perdendo pedaços. O campeonato se desmoraliza.
Não pode ser questão só de dinheiro. Impossível que no Brasil, onde tanto se ama o futebol, as torcidas são numerosas e a televisão tem estrutura para bancar campeonatos, não se consigam armar clubes tão sólidos quanto na Turquia ou na Ucrânia. Há mais coisas – a cultura perversa, o gosto pela desorganização, a dinheirama que corre por caminhos rápidos e obscuros, a omissão do poder público. "O jeito é tocar um tango argentino", cantou o poeta Manuel Bandeira, quando se viu encurralado por um diagnóstico de tuberculose. O jeito é acompanhar o campeonato espanhol.
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