João Gabriel faz propaganda do Amorim, mas é dele a melhor análise sobre Ronaldo, também publicada no site da Época.
Pô João, quando for assim reproduz no "Idiotas"!!!
Unanimidade burra
Por que os brasileiros adoram criticar Ronaldo
João Gabriel de Lima
Piada supersticiosa que circulava pela internet na semana passada: alguém precisa avisar Zagallo que "Ronaldo é gordo" tem 13 letras. Havia também a científica. Sabe por que a bola não chega a Ronaldo? Porque os opostos se atraem, mas os iguais se repelem. E a infame: o jogo entre Brasil e Croácia foi o primeiro na história das Copas com duas bolas em campo. Em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo, o cronista Juca Kfouri aderiu à zombaria nacional. Ele escreveu que, até Robinho entrar no lugar de Ronaldo, na metade do segundo tempo, o Brasil jogava com dez em campo. Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez referência à barriga de Ronaldo. O craque respondeu com uma finta de rara elegância: "Assim como dizem que estou gordo, dizem que o presidente bebe, mas eu não acredito". A propósito, há uma piada sobre essa polêmica também: Lula disse que Ronaldo está gordo só para acertar pelo menos uma vez em seus quatro anos de governo.
Os internautas gargalham, os cronistas esportivos tripudiam, até o presidente dá risada. Dizer que Ronaldo é uma piada virou unanimidade nacional. Nélson Rodrigues, patrono da cobertura de ÉPOCA nesta Copa do Mundo, cunhou o bordão "toda unanimidade é burra". (Sobrenatural de Almeida, nosso colunista, reivindica para si a autoria da frase, mas ele sempre faz isso.) Seria a zombaria a Ronaldo mais um desses casos de unanimidade burra?
Analisando objetivamente a carreira de Ronaldo, não há por que rir dele. O centroavante do Real Madrid pertence a um grupo seleto de jogadores: aqueles que foram heróis em Copas do Mundo, láurea máxima a que um futebolista pode aspirar. No Brasil, apenas três craques, além dele, podem se orgulhar de ter decidido um Mundial. Pelé e Garrincha, heróis de 1958 e 1962 (Garrincha e Pelé) e 1970 (apenas Pelé), e Romário, principal figura da conquista de 1994. No futebol internacional, são poucos os que podem se unir a esse quadrado de mágicos. O Beckembauer de 1974, o Maradona de 1986, o Zidane de 1998 e mais alguns raros mitos. Ronaldo também foi eleito três vezes o melhor jogador do mundo pela Fifa.Fez gols decisivos por todos os clubes europeus nos quais jogou: o PSV da Holanda, a Inter de Milão, o Barcelona e o Real Madrid da Espanha. Para quem acha que o craque está em baixa no time espanhol, uma surpresa. Jornalistas locais do diário As o escalaram na seleção dos 11 destaques da Copa. "Em forma ou não, o certo é que Ronaldo faz gols, e muitos. E esse é o valor supremo do futebol", publicou o periódico em sua edição especial sobre o torneio da Alemanha.
A irreverência com que o brasileiro trata seus ídolos faz parte do caráter nacional. Sempre fizemos piadas com Pelé, imitando sua voz anasalada, rindo de seus palpites errados em Copas ou de sua mania de falar de si mesmo na terceira pessoa. Não se levar muito a sério não costuma ser um mal. Mas pode ser também indício de baixa auto-estima, do "complexo de vira-latas" a que se referia Nélson Rodrigues.
No outro extremo está a maneira com que os argentinos tratam seu maior ídolo futebolístico, Diego Maradona. Na despedida oficial do craque, no fim de 2001, os portenhos encheram o estádio da Bombonera. Perto da silhueta redonda de Diego na ocasião, o Ronaldo de hoje seria um Mick Jagger ou uma Olivia Palito.
Dois fatos impressionaram um jornalista brasileiro que esteve no estádio, além da devoção da platéia. Primeiro: todo o selecionado argentino titular veio da Europa para participar do jogo. Segundo: os milionários craques portenhos faziam uma única jogada em campo - passar a bola para Maradona. Completamente desmarcado - o time adversário era um combinado de amigos de Diego -, o craque argentino só marcou no final, num pênalti que o goleiro adversário fez questão de deixar entrar. A torcida comemorou como se fosse o gol decisivo de uma final de Copa do Mundo.
Tom Jobim, o maior compositor popular que o Brasil produziu - e que freqüentemente era chamado de preguiçoso, embora tivesse criado dezenas de canções campeãs de execução no mundo inteiro -, dizia que os brasileiros preferiam Garrincha a Pelé. O craque trágico ironicamente apelidado de Alegria do Povo morreu alcoólatra, depois de viver uma decadência vertiginosa. Mesmo assim, sempre angariou mais simpatia que o Atleta do Século, o único jogador a participar de três campanhas vitoriosas em Copas do Mundo.
Ironicamente, se algum jogador pode se aproximar do feito de Pelé é exatamente Ronaldo. Se o Brasil for campeão na Alemanha, ele terá participado de três títulos mundiais, embora não tenha entrado em campo em 1994. (Cafu, reserva na ocasião, será outro afortunado.) Ronaldo também já fez tantos gols em mundiais quanto Pelé: 12. Se marcar três vezes na Alemanha, superará o recorde do alemão Gerd Müller, com 14 gols nas Copas de 1970 e 74 - o último deles decidiu o Mundial, um chute mágico que deixou petrificado o lendário goleiro holandês Jan Jongbloed, famoso por atuar sem luvas.
Não é de hoje que Ronaldo é tido como acabado. Na Copa de 2002, poucos achavam que ele seria capaz de repetir as excelentes atuações que tivera no futebol europeu com as camisas do Barcelona e da Inter de Milão. Foi mantido no time graças à teimosia do técnico Luiz Felipe Scolari. Mesmo vindo de uma longa contusão, fez gols nos três jogos da primeira fase. Disseram que os adversários eram fracos (e era verdade). Ronaldo jogou mal nas oitavas-de-final contra a Bélgica, mas, mesmo assim, fez o seu, nos descontos. Nas quartas, contra a Inglaterra, foi substituído. No intervalo da semifinal contra a Turquia, um zero a zero dramático no placar, um comentarista esportivo pediu sua substituição no intervalo do jogo. O final da história todo mundo sabe. Ronaldo, felizmente, continuou em campo.Fez de bico o gol que classificou o Brasil para a decisão.Na finalíssima, entrou para a história do futebol. Às críticas do presidente Lula, Ronaldo respondeu com picardia. Aos torcedores impacientes, costuma responder com gols. Muitos gols.
É fato que Ronaldo atuou mal contra a Croácia. O jogador vinha de uma contusão e depois do jogo teve uma indisposição estomacal - tanto que se submeteu a uma endoscopia na quarta-feira. Numa das únicas boas jogadas que fez na partida contra os croatas, deu um chute de longe que passou rente à trave. O goleiro Pletikosa nunca chegaria à bola, fora de seu alcance. É possível que Sobrenatural de Almeida tenha espalmado para fora o remate formidável. O colunista de ÉPOCA na Copa, porém, costuma ser volúvel. Num dia atrapalha os jogadores, no outro ajuda. Um aviso aos que zombam de Ronaldo: pelo retrospecto do craque em jogos decisivos, Sobrenatural costuma jogar a favor dele.
Este é daqueles artigos que guardamos para mostrar aos filhos e netos, dizendo: "Se você quer saber alguma coisa sobre futebol, leia este texto!", e ainda dizemos: "Ser São-paulino é conhecer o passado, saber entender o presente, e saber para onde as coisas vão,...além de ser competente!"
ResponderExcluirParabéns João Gabriel pelo excelente texto !
(só acho que primeiro tinha de ser publicado aqui, e não na revista Época)